Trata-se de MEDIDA CAUTELAR INOMINADA PREPARATÓRIA de Ação de Dar Coisa Certa e Obrigação de Não Fazer ajuizada pela Associação dos Feirantes da Sulanca de Toritama-PE - AFEST, através de advogado legalmente habilitado, em face da ENPAL ENGENHARIA E PAVIMENTAÇÃO e da PREFEITURA MUNICIPAL DE TORITAMA, cujo objeto é determinar-se, liminarmente, inaudita altera pars, que a primeira requerida se abstenha de continuar a demolir ou construir qualquer obra na Quadra 04 do Empreendimento Parque das Feiras, até que se resolva o julgamento definitivo da ação principal.
Requer ainda: a) a paralisação das obras de reorganização da Feira da Sulanca, executadas pela Prefeitura Municipal de Toritama, bem como qualquer mudança de locais dos feirantes e a veiculação de propagandas nesse sentido; b) informações ao Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco sobre gastos com calçamento da Rua Bianor José de Lucena; c) solicitação à Junta Comercial de Pernambuco e à Receita Federal de documentos dos sócios da ENPAL e da CONSTRUTUORA CAMILO BRITO e, por último, requer o arbitramento de multa diária (astreintes) no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais) pelo descumprimento protelatório da decisão, bem como advertência sobre a prisão por descumprimento de ordem legal.
Fundamenta a sua pretensão apresentando imagens fotográficas, juntando documentos (fls. 34/55) e alegando, em suma, que:
a) A ENPAL, proprietária do empreendimento PARQUE DAS FEIRAS, localizado às margens da BR 104, Km 32, do Município de Toritama, se comprometeu perante o Ministério Público através do TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) n.º 004/2001 a ceder uma área do citado empreendimento para acolher 700 (setecentos) feirantes até 16/10/2051;
b) Que, atualmente, os espaços da ENPAL ocupados pelos feirantes são de, aproximadamente, "400" bancos, localizados na Rua Projetada 01 (rua pública, mas ainda não desmembrada perante a Prefeitura), entre as Quadras 02 e 03 e do lado direito das Quadras 01 e 02;
c) Que a única área ainda não edificada é a Quadra 04, onde antes funcionava um estacionamento, mas que foi demolido para provável construção. Assim, este seria o único espaço existente para abrigar os 700 (setecentos) bancos da Feira da Sulanca. Aduz, ainda, que os feirantes que se encontram, atualmente, nas margens da BR 104, em breve terão que ser transferidos para outra área, em face da duplicação da referida rodovia.
Ressalta que negociações verbais entre ENPAL e a AFEST, com a finalidade de transferência dos feirantes para a Quadra 04, estavam praticamente fechadas, quando as mesmas cessaram em virtude de o Prefeito do Município ter adquirido, em nome de terceiros, ações da ENPAL, segundo comentários na cidade. Após essa notícia, sustenta que várias máquinas de demolição/construção arrancaram todo o calçamento da Quadra 04.
Por fim, contesta o projeto de reorganização da feira, argumentando que no referido projeto todos os feirantes localizados na área da ENPAL serão retirados, inclusive os localizados na Rua Bianor José de Lucena (Rua Projetada 01), os quais pagam à Prefeitura, anualmente, alvará de funcionamento e, semanalmente, taxa de uso de solo público (portanto, tal área se trata de rua pública, e não de propriedade da ENPAL).
Posteriormente, a parte autora ingressou com nova petição (fls. 58/60 dos autos), desta feita contendo novas imagens fotográficas e informando, em adição, que a Prefeitura de Toritama, mediante seu representante legal, ordenou a retirada de todo o calçamento da Rua Projetada 03, conhecida como Rua da Galinha de Capoeira, prejudicando, dessa forma, todos os que ali comercializam e a sua respectiva clientela, tendo as pessoas de se locomoverem na lama. Por fim, requer que seja ordenada à Prefeitura Municipal a recuperação da referida rua no prazo de 48 horas.
Assim, vieram-me os autos conclusos. Passo a apreciar o pedido de concessão de tutela liminar.
De início, é de se observar que o juiz somente poderá conceder medida liminar, nas cautelas jurisdicionais, se existentes os pressupostos da própria cautelar. Assim, se houver interesse específico resultante do periculum in mora e se apresentar induvidoso o fumus boni juris, cabe a concessão de liminar.
Conforme dispõe o art. 798 do Código de Processo Civil, "além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação".
Humberto Theodoro Júnior, ao discorrer sobre os pressupostos para concessão da medida cautelar, disserta:
(...) Os requisitos para alcançar-se uma providência de natureza cautelar são, basicamente, dois:
I - Um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do "periculum in mora", risco esse que deve ser objetivamente apurável;
II - A plausibilidade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança, ou seja, o "fumus boni iuris" (Curso de direito processual civil: processo de execução e processo cautelar, Forense, 2000, 28ª ed., v. II, p. 339).
Especificamente sobre o fumus boni iuris e o periculum in mora, ensina o mencionado jurista:
(...) Para a ação cautelar, não é preciso demonstrar-se cabalmente a existência do direito material em risco, mesmo porque esse, freqüentemente, é litigioso e só terá sua comprovação e declaração no processo principal. Para merecer a tutela cautelar, o direito em risco há de revelar-se apenas como o interesse que justifica o 'direito de ação', ou seja, o direito ao processo de mérito (op. cit., p. 339).
(...)
Para a obtenção da tutela cautelar, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela. E isto pode ocorrer quando haja o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo principal (op. cit., p. 340).
No caso sob examen, considero que, no momento, razão assiste à requerente, vez que visualizo presentes os requisitos específicos, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris.
Depreende-se da narrativa formulada pela requerente que o seu objetivo, em verdade, é impedir, até o julgamento da ação principal, que a ENPAL execute qualquer obra (construção e/ou demolição) na Quadra 04 do Parque das Feiras, bem como paralisar as obras de reorganização da Feira da Sulanca e impedir qualquer mudança dos locais dos feirantes e, ainda, recuperar a Rua Projetada 03, onde recentemente houve a retirada do calçamento, deixando os feirantes e a população na lama.
Inicialmente, verifico que foi firmado entre o Ministério Púbico do Estado de Pernambuco, o Município de Toritama e a ENPAL-Engenharia e Pavimentação, o Termo de Ajustamento de Conduta n.º 004/01, no qual o Município de Toritama, representado por seu Prefeito, reconheceu que o local de realização da Feira da Sulanca estava dentro da faixa de segurança reservada pelo DER e que os veículos que trafegavam no local traziam risco de acidentes, causando perigo iminente à população. Em vista disso, foi assumida a obrigação de transferir a citada feira pública (até o dia 16.10.2001) para local seguro, com estacionamento e a infra-estrutura necessária, bem como o compromisso de sua organização permanente, inclusive através de funcionário e guardas municipais.
Por seu turno, a ENPAL, na cláusula terceira do citado TAC, firmou compromisso de ceder, a partir do dia 16.10.2001, pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos, ao Município de Toritama, sem qualquer ônus ou contraprestação, espaço localizado no empreendimento PARQUE DAS FEIRAS, em área de sua propriedade, para abrigar exclusivamente a FEIRA PÚBLICA DA SULANCA, sendo tal espaço cedido suficiente para acolher 700 (setecentos) feirantes (parágrafo primeiro da mesma cláusula).
Dessa forma, consoante os documentos acostados, a Feira da Sulanca atualmente se localiza nas adjacências do Parque das Feiras, incluindo a Rua Projetada 01, sendo a Quadra 04 a única área ainda não edificada e realmente passível de acolher os feirantes da sulanca (consoante o TAC firmado).
Aduza-se que, consoante foi demonstrado nos autos (fls. 18/19), os feirantes localizados na Rua Bianor José de Lucena (Rua Projetada 01) pagam inclusive taxas e tributos à Prefeitura, a tornar ainda mais evidente a caracterização do bem como público (consoante doc. de fls. 52/55 dos autos).
Por conseguinte, não sendo tal local propriedade privada, mas sim um logradouro público, que, como se sabe, é bem de uso comum do povo, e, portanto, inalienável (com exceção dos bens dominicais, o que não é o caso), considero patente a existência de risco ao citado bem público e temerário a continuação da 'reorganização' da feira apresentada pela Prefeitura nos moldes atualmente propostos, consoante documentos de fls. 43/51.
Finalmente, considero existentes, pelo menos em juízo perfunctório, os prejuízos alegados pela requerente, notadamente à vista das imagens fotográficas colacionadas na petição de fls. 58/60 dos autos, evidenciado claramente a retirada do calçamento da Rua Projetada 03 (conhecida como Rua da Galinha de Capoeira), prejudicando sobremodo os feirantes ali alocados.
Sabido que a presente ação cautelar inominada tem natureza jurídica acautelatória, visando à proteção, preservação e prevenção de um interesse sobre um provável direito que será discutido futuramente em processo próprio principal (o direito material), consistente em Ação de Dar Coisa Certa e Obrigação de Não Fazer.
Assim, considero presentes a fumaça do bom direito e o perigo na demora, consubstanciados, sobretudo: a) no caráter econômico de prejuízo aos feirantes que durante anos vêm exercendo seu comércio no local; b) no constrangimento e transtorno pelos quais sofrerão os feirantes de serem desalojados de suas áreas de vendas; c) do não cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta firmado e execução do projeto de reorganização da feira da Sulanca em desacordo com o mesmo; d) a reversibilidade da medida, sem qualquer prejuízo para a parte ré.
Ora, no caso em epígrafe, diante dos alegados e factíveis danos que serão causados aos feirantes com a mudança e provável retirada de suas bancas dos locais destinados à feira livre, e da concreta possibilidade de os mesmos ficarem sem espaço, com o claro descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta n.º 004/01, resta inegável o fundado receio de prejuízos irreversíveis.
Registre-se, inclusive, que estão em jogo o sustento de várias famílias da cidade, que vivem, exclusivamente, do arrecadado nas vendas da Feira da Sulanca. Configurado, portanto, em meu sentir, o periculum in mora, indispensável à concessão da medida liminar.
Ademais, não antevejo na concessão da medida o esgotamento do objeto da ação, eis que, no curso ou no final do feito principal, acaso procedente o pedido, é que a parte demandada poderá vir a ser condenada a desfazer as obras já realizadas, inclusive com a pavimentação da rua. Por tudo isso, entendo que, na espécie, a paralisação das obras em curso, com o imediato nivelamento do solo, a fim de que os feirantes possam, ainda que de forma precária, dar continuidade às suas atividades, atende ao pleito cautelar ao tempo que não impõe grave ônus à municipalidade.
Assim, constatado o manifesto interesse público da medida e a concreta possibilidade de dano à economia local, dado que o desalojamento dos feirantes sobreveio de forma irregular, em descompasso com a regulação inerente aos bens públicos e mesmo em afronta ao Termo de Ajustamento de Conduta outrora firmado, a concessão da medida cautelar é medida curial, que atende aos direitos constitucionais dos feirantes e mesmo das pessoas que se dirigem à cidade para realizar compras.
Face ao exposto, diante da existência de perigo iminente de graves danos, gerando prejuízos aos feirantes toritamentes, DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR PLEITEADA, a fim de determinar à ENPAL ENGENHARIA E PAVIMENTAÇÃO no prazo de 24 horas, a total paralisação das obras na Quadra 04 do empreendimento Parque das Feiras, e ao MUNICÍPIO DE TORITAMA no prazo de 24 horas, a total a paralisação das obras de reorganização da Feira da Sulanca, incluindo remoção de feirantes da rua Projetada 01 (rua Bianor José de Lucena) e adjacências, neste Município, bem como, para no prazo de 72 (setenta e duas horas) proceder o nivelamento do solo, com a passagem de máquina moto niveladora, mais conhecida como PATROL, ou similar, que possibilite aos feirantes o adequado exercício de suas atividades.
Citem-se as partes demandadas para, querendo, contestar a presente ação no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de revelia e de confissão quanto à matéria de fato, contados da execução da medida cautelar (art. 802 e inciso II, do CPC), devendo constar do mandado a hora do cumprimento do ato determinado.
Fixo, na hipótese do descumprimento da decisão, multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Intime-se o representante do Ministério Público.
Demais diligências necessárias. Cumpra-se.
Publique-se. Intimem-se.
Toritama, 23 de dezembro de 2010.
Patrícia Caiaffo de Freitas Arroxelas Galvão
Juíza de Direito
Fonte:Tribunal de Justiça de Pernambuco
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