Diante da avalanche de casos de corrupção que assola Brasília, passou meio despercebida a notícia de que o governo pretende descumprir mais uma de suas promessas de campanha: a implantação de um programa abrangente de combate ao crack. É mais uma comprovação do desdém com que o PT trata o assunto, uma das piores chagas da vida nacional atual.
A admissão foi feita por dois petistas: a secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, e o deputado Reginaldo Lopes (MG), que preside a Comissão Especial de Políticas Públicas de Combate às Drogas no Congresso. Ambos participaram de audiência pública realizada na última quarta-feira na Câmara.Em maio do ano passado, em total clima de campanha política, o presidente Lula anunciou a criação do "Plano de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas". Previa investimentos de R$ 410 milhões para dar tratamento a usuários, abrir leitos exclusivos em hospitais e treinar profissionais.
Até agora, porém, quase nada foi feito: transcorrido um ano e dois meses do lançamento do plano, somente R$ 43 milhões (10,5%) foram liberados pelo governo. Mas, pelo que revelaram os petistas durante a audiência pública, corre-se o risco de que pouca coisa saia, de fato, do papel. Os recursos destinados ao plano de combate ao crack devem cair à metade.
"A previsão era de que a secretaria [de Políticas sobre Drogas] deveria receber, até 2015, R$ 100 milhões por ano para alcançar as metas, ou R$ 400 milhões no total. A tendência, no entanto, é que a fatia prevista no Plano Plurianual para a Senad seja de R$ 200 milhões no período", revelou O Estado de S.Paulo em sua edição de ontem.
É, mais uma vez, a prática desmentindo o discurso petista - algo que tem sido a tônica destes últimos oito anos e oito meses, mas que vem se mostrando especialmente recorrente na gestão de Dilma Rousseff.
Nas eleições do ano passado, o combate à droga emergiu como um dos assuntos mais discutidos da campanha presidencial. Na ocasião, a então candidata petista chegou a declarar que o crack era "uma das questões mais desafiantes" de sua futura gestão.
Já à frente do governo, Dilma reiterou compromissos de palanque e prometeu, em fevereiro, uma "luta sem quartel" contra o crack. Na ocasião, foi anunciada a instalação de 49 Centros de Referência em Crack e Outras Drogas, cujo objetivo seria capacitar 14 mil profissionais de saúde e dar assistência social para lidar com viciados e familiares. Até hoje, no entanto, ninguém sabe, ninguém viu quantos foram treinados - se é que foram.
O plano também previa implantar 2,5 mil novos leitos exclusivos para tratamento de dependentes - o que, ainda assim, equivaleria a menos de meia vaga por município do país. Até junho, porém, menos de 300 haviam sido abertos, conforme análise publicada pelo Instituto Teotônio Vilela em julho. Com a inação oficial, hoje já há um déficit de 7,5 mil leitos para atendimento de pacientes em fase de desintoxicação.
Nos últimos anos, o crack se espalhou pelo país, atingiu todas as classes sociais e ganhou contornos de epidemia - só negada pelo próprio governo petista, para quem isso não passa de "uma grande bobagem". Estima-se que hoje os usuários da droga somem cerca de 1 milhão de pessoas. (As estimativas atuais são precárias, incompletas e antigas.)
Com a leniência da gestão petista em relação ao tema, o Brasil está se tornando um paraíso dos traficantes: o país já é a terceira maior rota de tráfico de cocaína com destino à Europa e o mercado onde mais se apreende crack no mundo. Não satisfeito em não conseguir impedir que o crime devasse nosso território, o governo do PT agora se recusa a dar tratamento a quem definha em consequência do vício. É uma irresponsabilidade sem fronteiras.
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